O brasileiro descobriu em 2013 que não existe privacidade na internet.
As denúncias do site Wikileaks, de Julian
Assange, e as de Edward Snowden, ex-analista de inteligência norte-americano,
mostraram que vários programas dos Estados Unidos e de outros países fazem, há
muito tempo, vigilância eletrônica dos cidadãos ao redor do mundo.
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Charge de 1993 |
Agora, a troca do protocolo que permite a identificação de cada
dispositivo na internet, o chamado Internet Protocol (IP), é uma nova mudança
que deve deixar em alerta os usuários da rede. O Ipv4, padrão atual, que até
então gerou pouco mais de 4 bilhões de endereços diferentes, já é insuficiente
para mapear as máquinas do planeta – computadores, tablets, smartphones, por
exemplo. Ele está sendo substituído pelo Ipv6, que permite um número
infinitamente maior de endereços – 340 tera (34x10 elevado a 13ª potência) –
abrindo espaço para que cada objeto possa ter seu próprio endereço na internet
e, por isso, viabilizar o IP das coisas.
Demi Getschko, um dos membros do Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br), lembra que, já no final dos anos 90 do século passado, ficou claro
que o IPv4 deveria ser extinto, pois não haveria mais IP suficiente. “Não se
extinguiu e chegamos a 2013, mas vai de fato se extinguir no ano que vem,
porque a internet se defende com algumas gambiarras.”
O cientista cita medidas como a que permite a escolha de um endereço
válido para esconder vários outros endereços inválidos na internet, como os IPs
usados nas redes domésticas por computadores e smartphones. Na prática, são
endereços reservados para o usuário internamente, mas que não são visíveis
externamente. Então, todo mundo pode usar vários IPs, teoricamente invisíveis
para o ambiente externo em casa, mas precisará de um outro endereço (IPv4)
válido para fazer a conexão com a internet.
“Tudo estará ligado com as coisas boas e ruins que isso traz. As boas
coisas, de que todos falarão: conforto para todo mundo e conectividade ampla.
Coisas ruins? Privacidade em alto risco. Tudo que você faz pode ser conhecido.
Tudo que seus equipamentos fazem entre si poderá ser passado para outros
equipamentos. São coisas complicadas. Nossa privacidade pode estar em risco”,
alerta Getschko, que participou em dezembro de seminário em João Pessoa.
De acordo com Gestschko, com a nova geração de IPs, um televisor, por
exemplo, poderá estar conectado ao fabricante e, quando pifar, poderá ser
consertado remotamente. Mas, por outro lado, não se sabe o que o fabricante
fará com os dados coletados, como suas preferências, os programas e horários,
entre outras possibilidades.
Durante sua explanação no seminário, bem-humorado, Getschko lembrou de
uma charge que trazia um cachorro, em 1993, dizendo a outro que, na internet,
ninguém sabia que ele era um cachorro, indicando a possibilidade de
privacidade. As coisas mudaram e agora, em 2013, todo mundo sabe que, na ponta,
tem um cachorro, sabe a raça, que ração consome e o nome do veterinário, disse
o cientista, atualizando a charge.
Esse falso anonimato, que se dizia existir em 1993, nunca foi real.
“Agora, quebra-se de vez, com todo mundo conectado e todos os equipamentos
plugados”, destacou. O representante do CGI.br disse ainda que não é verdade
que existam novos delitos na internet. Segundo Getschko, o que existe são novas
possibilidades de investigação.
Getschko, que é considerado um dos precursores da internet do Brasil,
é de opinião que o Marco Civil da Internet*, discutido no Congresso Nacional, é
uma vacina para futuros problemas, pois na internet tudo que se faz pode ser
notado por alguém. O cientista acredita que, se não houver limite, por ser uma
rede técnica, a internet sempre permitirá que se vasculhe a vida de qualquer
um.
“O pessoal que não gosta de IPv6 diz que agora todo mundo terá um
endereço fixo, todos saberão o que cada um faz. Eu também tenho uma impressão
digital, que é fixa e também não posso trocar. Porém, isso não quer dizer que
ela tenha que ser recolhida por todo mundo”, disse o cientista, ao defender o
marco civil. Para ele, existem formas de impedir a invasão de privacidade que
independem da tecnologia usada. “A tecnologia pode ser invasiva, mas a lei tem
que impedir isso.”
Outro ponto relevante é o uso de ferramentas que, aparentemente, não
deixam traços [rastros] na internet, como o Projeto TOR, que promete navegação
anônima. "Tudo isso é algo falacioso. Não deixam traço porque alguém
transformou seu IP em outro IP. Mas quem transformou tem a possibilidade de
guardar essa transformação”, ressaltou. Segundo Getschko, a maioria dos roteadores
da Onion [do Projeto TOR] é rodada em trechos de domínio do Departamento de
Estado dos Estados Unidos. “E eles querem ter aquilo na mão”, concluiu.
*Marco Civil da Internet é "vacina" contra problemas
O Marco Civil da Internet deve ser considerado "uma vacina"
contra eventuais problemas, explica Demi Getschko. Para ele, é uma pena a
“postergação da votação do marco civil”. Ele destacou que o Brasil ganhou
notoriedade mundial ao mostrar que criou sua forma de gestão na rede mundial de
computadores, que é multiparticipativa. “Criamos sem regulação, e coisas
pesadas, na área. O Marco Civil da Internet, ao contrário do que alguns dizem,
é contra a regulação pesada na internet. É uma vacina contra eventuais
problemas."
O especialista admite que a rede tem seus problemas, que precisam ser
consertados. "São problemas que ninguém gostaria que existissem, como a
crescente invasão de privacidade." Por isso, é importante impor uma
barreira, pois as coisas passaram dos limites, disse o representante do CGI.br.
“Se não houver um limite na cerca, a internet sempre permite que você
vasculhe a vida de qualquer um, porque é uma rede técnica. Tudo que você faz
tem que ganhar um IP, que permite saber o que fez, onde entrou ou deixou de
entrar”, enfatizou. O IP é o um protocolo que permite a identificação de um
dispositivo (computador, smartphone, tablet) nas redes privadas ou públicas.
Para ele, se não for tomada nenhuma medida, "se isso ficar solto,
qualquer sujeito da cadeia que o cidadão usa para chegar à internet, poderá
recolher informações de pessoas e empresas. Isso não é bom. Então, o marco
civil deve ser algo profilático. Algo preventivo contra futuros problemas na
rede. Então, neste sentido, pelas medidas que sugerimos, e isso ficou claro
quando a presidenta Dilma falou na ONU [Organização das Nações Unidas], é uma
pena isso estar se arrastando no Congresso Nacional".
Deixando claro que é bom o Brasil e para a democracia que o Congresso
Nacional decida as coisas no país, pois faz parte da regra do jogo, mesmo
assim, Getschko reclamou do atraso e lembra que, no primeiro semestre deste ano,
o Brasil pode promover um evento internacional para discutir os direitos das
pessoas que usam a internet. Porém, para ele, será um fiasco se o marco civil
não for aprovado até lá.
“Se não for aprovado, nós vamos estar em uma situação muito
desagradável, muito incômoda, ao sediar um encontro sobre princípios, sem ter
aprovado a nossa carta de princípios. Espero que não seja alguma coisa
embaraçosa para o Brasil”, afirmou.
Fonte Agência Brasil