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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Educação: carta para Darcy

Por José Pacheco (foto)

(Foto Prefeitura de São Caetano do Sul)
Sofreste o exílio, enquanto o teu país dormia distraído, sem perceber que era subtraído em tenebrosas transações. Vão sacrifício o teu, porque as escolas continuam a não ensinar. E o que prevalece, como disseste, é um monstruoso sistema de comunicação de massa, impondo padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis.

A lei, que fizeste aprovar nos idos de 96, continua sendo letra morta. Imagina que os autores de uma anunciada reforma creem que o sistema irá melhorar com boletins e reprovações, ou quando, pelo menos um período por dia seja dedicado ao desenvolvimento de atividades interdisciplinares.

Leste bem, Darcy: um período por dia! Ou quando houver espaço para que professores trabalhem por projetos em algumas disciplinas. Em algumas disciplinas! Ou, ainda, quando no último ciclo, os alunos sejam protagonistas do próprio aprendizado. Somente no último ciclo acontecerá a emancipação social e cidadã dos alunos (sic!).

É triste, caro Darcy, verificar que aqueles que detêm o poder de mudar não entendam que, junto com Anísio Teixeira, Paulo Freire e Lauro de Oliveira Lima, tu formas o quarteto mais fecundo, fértil e injustiçado da história da educação em nosso país.

É lamentável que ousem afirmar que, há décadas, foi implantada a chamada progressão continuada, quando, na verdade, ela nunca foi implantada. É lamentável que continues ostracizado e que equívocos entre avaliação e classificação gerem inúteis “mudanças” de conceito para nota. Que se promovam inúteis alterações na cartesiana segmentação em ciclo. Que se confunda trabalho de projeto com caricaturas de trabalho de projeto…

Os nossos governantes lamentam que apenas 34% dos alunos apresentem conhecimento adequado ou avançado em português e 27% em matemática; ou que, na 8ª série, 23% estejam com nível adequado e avançado em português e 10% apresentem esse resultado em matemática, mas cometem o despudor de ressuscitar medidas que, no passado, deram origem a esse descalabro.

São medidas de retrocesso, que perenizam o velho paradigma escolar, reprodutor de oprimidos e opressores, que o malogrado secretário de Educação Paulo Freire tanto denunciou. Medidas de manutenção do desperdício de dinheiro e de gente, que servirão para perpetuar o analfabetismo, numa escola que já produziu mais de 30 milhões de analfabetos.

Ficamos sem saber se os nossos reformadores agem por ignorância ou loucura. São ignorantes aqueles que desprezam a produção científica, que ignoram a existência de práxis coerentes com a tua Lei de Bases, quem toma decisões desprovidas de bom senso. Também um súbito acesso de loucura pode ter acontecido, pois já o sábio Einstein nos avisava que a maior insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.

Essas e outras inúteis “medidas” são apregoadas na comunicação social, com pompa e circunstância, como de algo sério se tratasse. Eu sei que custa a crer, caro Darcy, mas é verdade. Se não me engano, foste tu quem fez esta afirmação: o Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.

Não desesperes. Fica sabendo que já muitos educadores e escolas são sensíveis aos teus apelos. Depois de tenebrosos tempos, luminosos tempos hão-de vir. Ainda que, entretanto, milhões de jovens sejam condenados à ignorância e ao sofrimento, por via de desastrosas políticas públicas.

Sei que te confessas ateu. Mas, se alguma influência tiveres junto de Deus, pede-Lhe que perdoe os nossos governantes, porque eles não sabem o que fazem.




sexta-feira, 20 de abril de 2012

A Educação que funciona 1: Saudade do Ciep

Dioclécio Campos Júnior*
Saudade não é nostalgia. Supõe emoção da perda. Evoca seres, fatos e feitos que a memória registra nos arquivos mais valiosos da mente. Embora findos na realidade circunstante, sobrevivem na essência do pensamento de quem lhes testemunhou o valor. Não é a lembrança fria do passado, mas a referência que anima o presente, ainda que de forma imperceptível.
O Centro Integrado de Educação Pública, Ciep, é marco na história recente do país. Inclui-se entre as poucas ousadias do Estado brasileiro destinadas à superação do atraso, pré-requisito para o fim da desigualdade social que macula a cidadania.
Gerado no Rio de Janeiro durante o governo de Leonel Brizola, nasceu para expandir-se por todo o território nacional. Primava pelo princípio inegociável da qualidade, sem o qual a sociedade igualitária nunca deixará de ser sonho ingênuo da população, acalentado pelos embustes das elites que lhe roubam a cena.
Concebido pelo talento de Darcy Ribeiro, tinha o propósito de garantir à criança pobre o direito à educação plena, instrumento libertador que lhe tem sido negado em nome de interesses mesquinhos que mantêm a ordem dominante.
Valendo-se de projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, cada Ciep acolhia mil alunos em espaços compatíveis com a dignidade ambiental que a educação requer. Além de salas de aula, biblioteca, quadra esportiva, era dotado de atendimento médico e odontológico, cozinha e refeitório.
O conteúdo pedagógico enfatizava a escrita, a leitura e a aritmética, sem prejuízo das demais matérias. Buscava qualificar o aprendizado da linguagem a fim de que a comunicação erudita fosse também assimilada pelas classes pobres, nivelando por cima a inadiável progressão social dos excluídos.
Implantada no coração de uma comunidade de despossuídos, despontava como avanço para a elevação da autoestima dos moradores, propiciando-lhes acesso a um direito que sempre privilegiou as classes ricas. As famílias orgulhavam-se da escola pública que as tratava com distinção. Crianças e adolescentes tinham no Ciep a chance real para aprendizado lúdico, prazeroso, interativo. Trabalhavam a cognição em ambiente seguro, dignificante.
Anteviam a realização de originalidades potenciais, crescendo-lhes a expectativa de vencer a humilhante segregação que os estigmatizava. Desenvolviam atividades educativas, artísticas, desportivas e culturais em tempo integral, das oito horas da manhã às cinco da tarde.
Permaneciam sob os cuidados da equipe de educadores durante o período em que a maioria dos pais saía de casa para trabalhar. Recebiam alimentação, assistência à saúde, além do amparo ao organismo em fase de crescimento físico e desenvolvimento neuropsicomotor.
A educação oferecida não se restringia aos limites medíocres da escolaridade em vigor. Ia muito além. Reproduzia a visão de Winnicot, para quem educar é garantir a estimulação favorável em ambiente seguro e afetivo. Darcy Ribeiro definiu bem o projeto: “Sem essa base, a criança estará condenada à marginalidade e ao risco de cair em delinquência”.
E completou: “Isso é verdade, sobretudo para a criança das áreas metropolitanas, que tem mais a escola do lixo e da criminalidade do que a escolaridade mínima indispensável para se realizar pessoalmente através do trabalho e para exercer conscientemente a cidadania”.
O compromisso social era abrangente. Atraía crianças moradoras de rua que, motivadas, mudavam de vida. Passavam a residir na escola, onde ficavam sob os cuidados de “pais sociais” — funcionários preparados para a preciosa missão.
A construção das unidades era rápida; o custo, reduzido. Fundava-se na lógica do pré-moldado, ganhando celeridade na execução. Quinhentas delas chegaram a enriquecer o cenário educacional do Rio de Janeiro.
Com o Centro Integrado de Educação Popular disseminado país afora, a sociedade já teria dado o salto para a dimensão igualitária sonhada. Infelizmente, obras que visam à igualdade social serão sempre desmontadas pelo poder econômico.
O modelo Ciep foi desfeito há mais de vinte anos. Restaram os prédios precários, convertidos em escolas desqualificadas, coerentes na perpetuação da pobreza. Desativado, abriu caminho para a UPP – Unidade de Polícia Pacificadora. A desigualdade social foi assim preservada. Para os ricos, a política; para os pobres, a polícia.
O Ciep desperta saudade. É o PAC que transformaria o país. O projeto foi encerrado, mas a ideia não morreu. Os dirigentes deveriam repensar a educação nacional, sem preconceito. Experiência não falta.


*Dioclécio Campos Júnior é médico, professor titular aposentado da UnB, secretário de Estado da Criança do DF, foi presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Transcrição da Tribuna da Internet

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