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terça-feira, 15 de maio de 2012

A Educação que funciona 4: As escolas de dona Vicky*

"Praticamente sem aumentar os custos, dona Vicky conseguiu que estudantes do interior obtivessem desempenho melhor em testes do que os citadinos"

Vicky Colbert passou pelo Brasil e não conseguiu me encontrar. Pois não é que na semana seguinte descobri que estávamos no mesmo hotel em Doha (Catar)? Eu era parte da plateia de um monumental evento sobre ensino e inovação. Ela estava lá para receber um prêmio. Aliás, há dois anos nos encontramos na Clinton Global Initiative, em que ela ia receber outro prêmio. São muitos! Para o Banco Mundial, suas escolas estão entre as três maiores inovações no ensino, pois países em desenvolvimento podem reproduzi-las em grande escala.

Dona Vicky, uma socióloga colombiana, é a mentora das Escuelas Nuevas em seu país. O interior da Colômbia é, pelo menos, tão atrasado e pobre como o nosso. Portanto, não espanta que a qualidade da educação fosse pior do que a urbana. De fato, é assim em todos os países. Mas na Colômbia mudou. Após a implantação da Escuela Nueva na zona rural, caíram a repetência e a reprovação. Aumentaram também os escores nos testes. Os resultados passaram a ser melhores que os das urbanas (e, junto com Cuba, os mais elevados na América Latina).

Note-se que em grande parte as escolas rurais são unidocentes, isto é, são escolas muito pequenas, nas quais um professor ensina simultaneamente em várias séries iniciais. Somam-se o atraso e o isolamento rural ao desafio extra de lidar com todas as séries em uma mesma sala e com um único professor.

Praticamente sem aumentar os custos, dona Vicky conseguiu que seus caipiras obtivessem mais pontuação nos testes do que os citadinos. A inovação se alastrou. Hoje está em 35 países e matricula 5 milhões de alunos. No Norte e Nordeste do Brasil, há 4 000 escolas que adotaram o método, mas têm pouca divulgação e sabemos pouco dos resultados. O que fez dona Vicky para obter tão retumbante sucesso? Onde está a diferença, diante de tantas ideias redentoras que circulam por aí?

Na verdade, o principal segredo é pôr em prática uma solução integrada. São várias medidas e inovações que se juntam para fazer a diferença. De fato, não se reforma a educação com uma única providência miraculosa. É o conjunto que origina massa crítica. O mérito de dona Vicky e de sua equipe foi refinar essas providências e montar a máquina administrativa que fez tudo funcionar.

Os materiais escolares foram especialmente desenhados para o programa e se baseiam nos princípios da educação ativa. Os professores são cuidadosamente preparados para usá-los com competência, além de receberem acompanhamento permanente do projeto. Há encontros frequentes, a fim de discutir práticas de ensino. A ampla participação da comunidade requer estratégias apropriadas, para que ela se aproxime da escola, apoie suas propostas e se incorpore aos projetos práticos dos alunos. Sem fórmulas mágicas, é um feijão com arroz bem temperado.

Porém, há diferenças. Uma delas está na ênfase na cooperação entre os estudantes e, também, na integração com a comunidade. Outra diferença são as salas de aula e as atividades ao ar livre, em que se combinam os assuntos escolares com aplicações práticas. A ênfase na leitura e na compreensão é um foco central do aprendizado.

Talvez mais surpreendente, os livros e guias são autoinstrucionais, ou seja, cada aluno estuda por conta própria, caminha em seu ritmo e toma decisões. Nas atividades de leitura, os estudantes avaliam o desempenho uns dos outros. Em grande medida, tais soluções reduzem as clássicas aulas expositivas, liberando o professor para atender os alunos mais necessitados de apoio individualizado.

Agora que as escolas rurais têm uma fórmula consolidada, dona Vicky está adaptando o modelo para as urbanas. Ainda não foi possível avaliar os resultados, mas, segundo ela, parecem promissores. Uma segunda iniciativa é estimular a participação das empresas. Ao longo do tempo, observou-se que as mudanças políticas trazem instabilidade e perdas às escolas (não é só na Escuela Nueva!).

O novo prefeito tem ideias diferentes. Daí a procura de parceiros nas empresas privadas que queiram ajudar as escolas públicas, pois podem amortecer a volatilidade trazida pela politicagem. Como as empresas colombianas e brasileiras têm grande protagonismo na educação pública, dona Vicky se aproxima do nosso país para prosseguir nos seus experimentos. Segundo disse, busca sócios caboclos. Alguém se habilita?




segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Educação que funciona 2 – A Casa Meio Norte abre o futuro

Crônica de Ignáciode Loyola Brandão para o Estado de São Paulo

A cada passo, o espanto. Por fora me parecia uma escola normal, o muro alto vedando a visão. Transposto o portão, o inesperado, a absoluta limpeza. Logo, outro assombro, não há uma só grade. Antes de ser apresentado à diretora, fui ao banheiro. Imaculado. Não estava entendendo. Não é uma escola pública em um dos bairros mais afastados da capital do Piauí? Um dos bairros mais violentos, abandonados? Não me disseram que é uma escola para alunos carentes, aqueles a quem a vida pouco dá, ao contrário, com o correr dos anos vai tirando? Nenhuma grade para proteger do mundo exterior, nenhum grafite nas paredes e nem uma janela quebrada.

Veja no vídeo abaixo a prática das ideias da Casa Meio Norte 

A admiração cresceria a cada passo, revelando-me a diversidade brasileira, nossas incoerências e contradições. O absurdo tornado realidade, felizmente. Percorri classes, recebido por alunos sorridentes, de alto astral, orgulhosos, que me cantaram canções alegres. Já fui a muita escola de periferia em São Paulo e pelo Brasil. Alunos tristes, sem auto estima, professores desiludidos, agredidos, desrespeitados, humilhados. Instalações precárias, banheiros sujos, falta de carteiras, de material, paredes repletas de inscrições ininteligíveis, grades para evitar roubos e depredações, cozinhas precárias, merendas destinadas a fomentar a subnutrição.

Retrato do ensino brasileiro. Mas aqui, nesta escola chamada Casa Meio Norte, não! Tudo é diferente, e como! Por que decidi vir, abandonando outros compromissos? Racém-chegado de Berlim, ainda no aeroporto, me disseram: nessa escola, cada aluno lê entre 20 e 30 livros por mês. Vamos lá, eu disse!

Não acreditei, até chegar e descobrir que é verdade. Na Casa Meio Norte, na Cidade Leste, as crianças têm paixão por livros e pela escrita. Cada sala de aula tem uma sacola com 40 livros. As crianças descobriram que, por meio da literatura, podem escapar da dura realidade em que estão envolvidos e à qual fatalmente seriam levados. Um futuro não futuro, tornado futuro pela leitura e pela escrita. Cidade Leste vive sob o domínio da violência, há todo tipo de foras da lei, do traficante ao ladrão, ao ladrãozinho, ao futuro ladrão.

Esses meninos da Casa estariam destinados a se tornarem “mulas”, levando drogas, ou estariam nas ruas pedindo esmolas. Estariam soltos, abandonados, fadados a morte prematura. Há pais aqui que são do tráfico, da delinquência. Há quem não conheça o pai, há quem não saiba quem é sua mãe.

Todavia, quando entramos e vemos aqueles rostos, sabemos, tudo indica, estão salvos. Nessa Casa comem quatro refeições por dia, quando o normal, fora dessas paredes, seria não comerem nenhuma. Para ajudar a manter a Casa, o Jornal Meio Norte, do Grupo de Comunicação Meio Norte, um dos principais de Teresina, entra com apoio, patrocina uma série de coisas, alicerça realizações. Responsabilidade social pode gerar mudanças.

Quando entrei, uma menina de 10 anos, Mariana Garcês, disse que gostaria de ler um poema para mim. Se você do vicio consegue sair fecha a porta para eu não entrar. Se você na escola conseguir entrar deixe a porta aberta para eu passar. Contei minha história, a do Menino que Vendia Palavras, meu livro infantil. Disse que também fui pobre, lia muito, escrevia. Isso nos igualou. Em parte, claro.

A cada passo, um aluno queria me mostrar um texto. Numa das classes, Anderson, tido como dos mais tímidos da escola, teve coragem, veio à frente, me disse também um poema. Não conseguiu terminar, chorou de emoção. Todos queriam falar do livro que leram, e foram tantos. Vi a relação dos titulos retirados e devolvidos a cada dia. A turma — são 680 alunos — lê mais do que muito universitário da USP ou da PUC, do que muito menino de classe média e média alta do ensino privado.

Eles gostam de ouvir e de contar histórias. Muitos não sabem se verão o pai no dia seguinte, habituados ao cotidiano de violência que permeia lá fora. Muitos desses pais são aqueles que garantem a “segurança” da Casa Meio Norte. Certo dia, uma gangue de outro bairro roubou equipamentos. Dois dias depois os equipamentos “estavam de volta”, foram resgatados. Há um conceito que corre: Não mexa com a escola!



Muitas vezes, na reunião de pais e mestres, professores deparam com sujeitos vestidos corretamente, camisas de mangas compridas para esconder tatuagens ou cicatrizes, participando, dando opinião, perguntando. Eles não querem que os filhos sejam como eles. E os filhos não querem ser. Essa escola de ensino aplicado, que existe há dez anos, está realizando aquilo que todos desejam, e responde a pergunta que ouvimos pelo Brasil inteiro: como fazer a criança ler? Como tirá-las das ruas, dar identidade, ensinar cidadania? Aquela meninada sabe mais de cidadania do que milhares de parlamentares federais, estaduais, municipais, envolvidos em maracutaias sem fim.

Seminários, convenções, simpósios, debates de “alto nível”, comissões de governo. Nada tem adiantado ao longo de décadas. Basta vir a Teresina e conversar com os 28 professores da Casa, um grupo de abnegados apaixonados. Os olhos daqueles professores são iluminados. Aqui entra o paradoxo, a estranha maneira pela qual tudo funciona no Brasil e que nenhum ministro, secretário, educador, técnico, profissional consegue alcançar, entender. Há um Brasil aparente e um Brasil oculto com pessoas admiráveis sobre as quais não cai um foco de luz e elas não precisam, são alimentadas por sonhos e ideais. É o Brasil que caminha.

Saiba mais sobre a Casa Meio Norte no 7 idéias para melhorar a escola, no site Educar para Crescer.



sexta-feira, 20 de abril de 2012

A Educação que funciona 1: Saudade do Ciep

Dioclécio Campos Júnior*
Saudade não é nostalgia. Supõe emoção da perda. Evoca seres, fatos e feitos que a memória registra nos arquivos mais valiosos da mente. Embora findos na realidade circunstante, sobrevivem na essência do pensamento de quem lhes testemunhou o valor. Não é a lembrança fria do passado, mas a referência que anima o presente, ainda que de forma imperceptível.
O Centro Integrado de Educação Pública, Ciep, é marco na história recente do país. Inclui-se entre as poucas ousadias do Estado brasileiro destinadas à superação do atraso, pré-requisito para o fim da desigualdade social que macula a cidadania.
Gerado no Rio de Janeiro durante o governo de Leonel Brizola, nasceu para expandir-se por todo o território nacional. Primava pelo princípio inegociável da qualidade, sem o qual a sociedade igualitária nunca deixará de ser sonho ingênuo da população, acalentado pelos embustes das elites que lhe roubam a cena.
Concebido pelo talento de Darcy Ribeiro, tinha o propósito de garantir à criança pobre o direito à educação plena, instrumento libertador que lhe tem sido negado em nome de interesses mesquinhos que mantêm a ordem dominante.
Valendo-se de projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, cada Ciep acolhia mil alunos em espaços compatíveis com a dignidade ambiental que a educação requer. Além de salas de aula, biblioteca, quadra esportiva, era dotado de atendimento médico e odontológico, cozinha e refeitório.
O conteúdo pedagógico enfatizava a escrita, a leitura e a aritmética, sem prejuízo das demais matérias. Buscava qualificar o aprendizado da linguagem a fim de que a comunicação erudita fosse também assimilada pelas classes pobres, nivelando por cima a inadiável progressão social dos excluídos.
Implantada no coração de uma comunidade de despossuídos, despontava como avanço para a elevação da autoestima dos moradores, propiciando-lhes acesso a um direito que sempre privilegiou as classes ricas. As famílias orgulhavam-se da escola pública que as tratava com distinção. Crianças e adolescentes tinham no Ciep a chance real para aprendizado lúdico, prazeroso, interativo. Trabalhavam a cognição em ambiente seguro, dignificante.
Anteviam a realização de originalidades potenciais, crescendo-lhes a expectativa de vencer a humilhante segregação que os estigmatizava. Desenvolviam atividades educativas, artísticas, desportivas e culturais em tempo integral, das oito horas da manhã às cinco da tarde.
Permaneciam sob os cuidados da equipe de educadores durante o período em que a maioria dos pais saía de casa para trabalhar. Recebiam alimentação, assistência à saúde, além do amparo ao organismo em fase de crescimento físico e desenvolvimento neuropsicomotor.
A educação oferecida não se restringia aos limites medíocres da escolaridade em vigor. Ia muito além. Reproduzia a visão de Winnicot, para quem educar é garantir a estimulação favorável em ambiente seguro e afetivo. Darcy Ribeiro definiu bem o projeto: “Sem essa base, a criança estará condenada à marginalidade e ao risco de cair em delinquência”.
E completou: “Isso é verdade, sobretudo para a criança das áreas metropolitanas, que tem mais a escola do lixo e da criminalidade do que a escolaridade mínima indispensável para se realizar pessoalmente através do trabalho e para exercer conscientemente a cidadania”.
O compromisso social era abrangente. Atraía crianças moradoras de rua que, motivadas, mudavam de vida. Passavam a residir na escola, onde ficavam sob os cuidados de “pais sociais” — funcionários preparados para a preciosa missão.
A construção das unidades era rápida; o custo, reduzido. Fundava-se na lógica do pré-moldado, ganhando celeridade na execução. Quinhentas delas chegaram a enriquecer o cenário educacional do Rio de Janeiro.
Com o Centro Integrado de Educação Popular disseminado país afora, a sociedade já teria dado o salto para a dimensão igualitária sonhada. Infelizmente, obras que visam à igualdade social serão sempre desmontadas pelo poder econômico.
O modelo Ciep foi desfeito há mais de vinte anos. Restaram os prédios precários, convertidos em escolas desqualificadas, coerentes na perpetuação da pobreza. Desativado, abriu caminho para a UPP – Unidade de Polícia Pacificadora. A desigualdade social foi assim preservada. Para os ricos, a política; para os pobres, a polícia.
O Ciep desperta saudade. É o PAC que transformaria o país. O projeto foi encerrado, mas a ideia não morreu. Os dirigentes deveriam repensar a educação nacional, sem preconceito. Experiência não falta.


*Dioclécio Campos Júnior é médico, professor titular aposentado da UnB, secretário de Estado da Criança do DF, foi presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Transcrição da Tribuna da Internet

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