Fonte Agência Brasil
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Maria Helena Serafim (Foto Divulgação) |
Maria Helena Serafim pertence à comunidade Kalunga, remanescente de
quilombo no norte de Goiás. Ela tem 26 anos, já deu aulas em sua comunidade, em
Monte Alegre de Goiás (GO), mas teve que parar para fazer faculdade de Educação
no campo, na Universidade de Brasília (UnB). Ela quer voltar a ser professora,
e seu sonho é que os filhos continuem na comunidade. Mas em toda a região, de
272 mil hectares, não há sequer uma escola de ensino médio, o que acaba
favorecendo a evasão dos jovens para as cidades.
Segundo Maria Helena, apenas algumas regiões da comunidade de 6 mil
pessoas têm saneamento básico e energia elétrica. Nas demais, é necessário
buscar água no estilo antigo, “em cima da cabeça”. Além da busca por escolas,
os jovens saem da comunidade para trabalhar, e muitos deles não retornam.
“Voltar para quê, se eles tiveram acesso a tudo que não tinham na comunidade?
Por mais que a gente ache que nossa cultura é boa, ela não segura nossos jovens
lá. Eles querem trabalhar, querem andar bem vestidos, na moda. Na nossa
estrutura de comunidade não temos isso, não temos outro tipo de trabalho, além
da cultura de subsistência, para que esses jovens tenham renda”, explica.
Na tentativa de mudar esse cenário, e fazer com que os 8 milhões de
jovens que moram na zona rural tenham a opção de continuar no campo, o governo
assinou nesta quinta-feira (3) um acordo interministerial que inclui novas
iniciativas no Programa de Fortalecimento da Autonomia Econômica e Social da
Juventude Rural. Serão R$ 35 milhões para cursos de agroecologia, residência de
universitários em assentamentos rurais, cinco pontos de cultura e 50 pontos de
inclusão digital para a juventude rural.
Seis cursos de Formação Agroecológica e Cidadã vão ser oferecidos em
parceria com instituições de ensino, com foco no Norte e Nordeste, como a
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Minas Gerais, e a
Universidade Federal Rural de Pernambuco. De acordo com a secretária nacional
da Juventude, Severine Macedo, as ações têm previsão de início imediato. Outro
ponto do acordo é a criação de 25 turmas em parceria com universidades que
contribuam para a formação dos jovens, além de um programa Juventude Itinerante,
que vai levar aos jovens informações sobre as políticas públicas a seu alcance.
O valor aplicado para um público tão amplo, no entanto, é alvo de
críticas. De acordo com Paulo Mansan, da Coordenação Nacional da Pastoral da
Juventude Rural, um programa de impacto requer mais recursos para que a
juventude continue no campo. Ele avalia que outros programas podem se somar às
iniciativas, como a qualificação dos jovens. “Além de cursos, são necessários
projetos que incentivem a renda dos jovens no campo, inclusive projetos
produtivos rurais, que a gente acredita que sejam os próximos passos desses
programas”, avaliou.
Durante a assinatura do acordo, no Palácio do Planalto, o
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho,
reconheceu que a pressão dos movimentos sociais é importante para a ampliação
das políticas. “Eu aceito, e tenho que entender que de fato é muito pouco. Mas
tenho que lembrar das políticas que realizamos e do quanto andamos do ponto de
vista de recompor uma sociedade absolutamente injusta, com padrão de exclusão
brutal e estrutural”, explicou.
“O grande limite da crítica que os movimentos fazem, e têm razão, é
que este tema ainda não entrou para a agenda de ministérios do governo, de
maneira permanente”, acredita a secretária Severine. Para ela, é preciso fazer
um esforço para que a juventude rural seja tratada diferentemente das políticas
macro da agricultura familiar, “porque o jovem precisa ter estímulos
diferenciados, ele valoriza mais o uso do computador, o telefone no meio rural
e o lazer”. O acordo assinado hoje, na sua opinião, vai contribuir para que os
órgãos governamentais deem uma resposta daqui para frente.
Enquanto cultiva esperanças de que os programas sejam um incentivo
para que os jovens permaneçam nas comunidades rurais e, por consequência, na
comunidade Kalunga, Maria Helena Serafim quer concluir logo seu curso de
licenciatura em educação no campo na UnB. “Depois, retornar para a comunidade,
minha vida é lá, e é por isso que eu luto para que as coisas cheguem lá. A
gente não precisa vir embora, para que eu não crie meus filhos cá fora também.
[Farei tudo] para que eles não percam aquela essência, aquela raiz. Eles têm
que aprender todo o nosso processo cultural, tradicional”, afirma.