terça-feira, 20 de agosto de 2013

Educação: educadores cobram formação com 'rigor de medicina' para professor

Num país que debate melhorar preparação de médico, especialistas criticam baixa exigência na licenciatura para docentes

As recentes medidas do governo federal para a carreira médica, como os dois anos de residência obrigatória no Sistema Único de Saúde (SUS), reacenderam o debate sobre a formação de professores nas diversas áreas do conhecimento. Especialistas defendem que o mesmo rigor que há nas faculdades de Medicina seja cobrado nas licenciaturas para que os docentes se formem mais bem preparados. De outro lado, estudantes e recém-formados contam que experiências fora da universidade contribuem muito mais para a prática pedagógica.

Treino. Formando em Ciências Biológicas na Uerj, André Mendes dá
aulas no pré-vestibular comunitário InVest, no Colégio Santo Inácio
(Foto Agência O Globo)

No modelo do Stanford Teacher Education Program (Step), considerado um dos melhores cursos de formação de docentes do mundo, o ensino, por exemplo, tem rigor de uma residência. Com duração de até dois anos, o programa institui três momentos de trabalho de campo (clinical work) em escolas públicas. No estágio por semana, o aluno fica em média 16 horas nas escolas e participa de um seminário na Universidade de Stanford. Os futuros docentes são apoiados por professores experientes e supervisores.

— Nossos candidatos a professores vivenciam uma formação acadêmica rígida e fazem estágios com alto nível de exigência em escolas. O rigor do ensino acadêmico e da prática supervisionada é o mesmo encontrado no treinamento de médicos. Nossos alunos aprendem com a prática e na prática. Ensino, pesquisa, teoria e prática estão intimamente relacionados — explica Rachel Lotan, diretora do Step.

Licenciatura à Distância aumenta
Defensora da ideia de uma formação docente similar à médica, a doutora em Educação pela Universidade de Harvard Paula Louzano destaca que 30% dos estudantes de licenciatura no Brasil o fazem à distancia, e esta proporção está aumentando. Ela ressalta que a prática é o aspecto em que mesmo os cursos presenciais mais deixam a desejar.

— Quando presente, a prática se restringe, na maioria das vezes, à observação de aulas, sem muita supervisão e acompanhamento de profissionais mais experientes que ajudem o professor em formação a desenvolver seu julgamento profissional e a aprender na prática — diz Paula.

A especialista, que realizou um estudo comparando como diferentes nações orientam seus professores, faz um paralelo com o modelo finlandês, que tem um curso com sete anos de duração, sendo que um terço das nove mil horas corresponde a uma espécie de residência pedagógica: o futuro professor estagia em uma escola onde um professor tutor se responsabiliza junto com a universidade pela formação.

— Não digo que devemos formar professores em oito anos, mas que o cuidado com sua formação deve ser parecido com a do médico. O professor deve dominar os conhecimentos de sua disciplina de maneira profunda (como um médico especialista o faz); os componentes práticos da profissão, e deve desenvolver sua capacidade de julgamento profissional na prática assistida por professores experientes e modelares. Essa mudança de paradigma foi o que levou a Finlândia a ter a docência como uma profissão valorizada.

Especialista em formação de docentes, a pedagoga da USP e consultora da Unesco Bernardete Gatti diz que não é preciso buscar em exemplos externos o remédio para melhorar a qualificação dos professores. Para ela, se o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases fosse cumprido com rigor, a prática pedagógica já teria grandes avanços.

— Não temos condições de instalar uma residência pedagógica. Podemos encontrar soluções que sejam mais ajustadas à nossa realidade. Temos um estágio curricular de 400 horas, e ninguém cumpre. Vamos cumprir e vamos fazer direito, com um planejamento para isso. Por que os cursos continuam sendo credenciados e reconhecidos, se não estão cumprindo, mesmo nas instituições públicas? — questiona Bernardete. — Ninguém faz uma avaliação decente das licenciaturas.

Para Bernardete, esse panorama pode mudar um pouco com iniciativas como Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), do governo federal. Os projetos devem promover a inserção dos estudantes nas escolas públicas desde o início da formação acadêmica para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor do colégio. Para ela, isso pode ajudar a melhorar o perfil dos formadores de docentes.

— Houve no Brasil um esquecimento da investigação didática. Estamos num momento em que a preocupação com a formação dos professores está aparecendo. Os formadores estão sendo chamados a rever os conceitos. É preciso mudar a seleção dos professores quando vão ser docentes das licenciaturas. Ninguém verifica se eles conhecem alguma coisa sobre as questões pedagógicas da escola pública. Os editais deveriam incluir isso.

Taiany Braga, de 23 anos, vive isso na pele. Formada em Geografia na UFF há dois anos, hoje ela é professora dos ensinos fundamental e médio no Colégio Estadual Fidélis Medeiros, em Duque de Caxias. Taiany diz que os estágios supervisionados da faculdade não contribuíram para sua formação profissional.

— Não é eficaz. Geralmente, os professores são geógrafos que foram trabalhar na faculdade de Educação. Não são pedagogos. O grande problema é que a maioria é de acadêmicos, e distantes da realidade da escola pública. Quando você se depara com uma sala de aula da rede estadual ou municipal, é totalmente diferente. Tem que aprender a lidar por instinto, na marra, se adaptando aos poucos, ou não, pois tem muita gente que desiste — diz Taiany.

Mas ela não desistiu. Nem Daiana Lima, de 24 anos. Recém-formada em História, também pela UFF, ela optou pela rede particular e dá aulas no Colégio _A_Z, em Botafogo, onde já era monitora da disciplina. Ela conta que a experiência na escola lhe valeu muito mais do que os três estágios “supervisionados”: o primeiro foi só de observação; no segundo, a professora responsável faltou à sua prova-aula; e o terceiro não foi cobrado, devido a uma greve.

— Os estágios contribuíram zero para minha formação. Minhas experiências fora da faculdade, mesmo tendo sido em escolas particulares, foram fundamentais para conhecer o funcionamento da sala de aula — compara Daiana.

Experiência nos pré-vestibulares
Vice-diretor da Faculdade de Educação da UFF, Marcos Barreto reconhece as limitações, mas vê avanços no perfil dos formadores. Ele diz ainda que os cursos pré-vestibulares comunitários são um campo rico de experiência que merece ser estudado. Na UFF, há cerca de 15.

— O principal problema é a desqualificação histórica das licenciaturas face ao bacharelado. Estamos buscando um perfil de formador que conhece o chão da escola e as redes públicas. A ideia não é ter um acadêmico. O responsável por prática de ensino precisa conhecer muito bem as redes e seus limites.

Isso inclui os pré-vestibulares: quando o licenciando passa um ano letivo com a turma, é muito mais eficiente do que um estágio fragmentado.
André Mendes aprendeu isso na prática. Licenciando em Ciências Biológicas na Uerj, ele passou por seis semestres de estágio, três deles no CAp-Uerj e outros três em escolas públicas.

Prestes a se formar, André dá aulas no curso pré-vestibular comunitário InVest, no Colégio Santo Inácio. Ele diz que esta experiência prática lhe preparou mais do que a faculdade.

— Minha prática docente começou no InVest. A experiência foi muito importante para mim, tanto para desenvolver as aulas como para interagir com os alunos.


Fonte O Globo
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