Por Patrícia Gomes*
“Menino nessa idade é assim mesmo”, diz
uma professora para justificar o comportamento agitado de um aluno de 10 anos.
Frases como essa, que são muito comuns em escolas de qualquer perfil
socioeconômico e em qualquer região do país, podem retratar um problema muito
mais estrutural do que parece à primeira vista. A opinião é da professora de Educação
da USP Marília Pinto de Carvalho, autora de vários livros sobre relações de gênero
na escola e que esteve nesta terça (18/6/2013) em evento do Cenpec (Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) para discutir o
impacto de gênero e raça na Educação. “Precisamos olhar com mais cuidado para a
Educação dos meninos. Temos que entender o que está acontecendo”, alerta ela.
![]() |
(Foto finecki/Fotolia.com) |
Motivos para isso não faltam. De acordo
com a Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) de 2011, a mais recente
disponível, o analfabetismo entre pessoas do sexo masculino com mais de 10 anos
está em 8,1%, enquanto entre as mulheres está em 7,9%. Mulheres também passam
mais tempo na escola em todas as faixas etárias, sobretudo no grupo entre os 20
e 24 anos. Enquanto elas passam, em média, 7,3 anos na escola, eles passam 7,1.
“Pegue um indicador educacional, qualquer um. Distorção idade-série, abandono
escolar, repetência. Em todos os meninos vão pior que as meninas. Há muitos
anos!”, afirma a educadora.
Mesmo com todos os indícios de que há
algo de errado na Educação dos meninos, afirma Carvalho, os estudos de gênero
normalmente se dedicam a entender o gap das mulheres e de sua ocupação no
mercado de trabalho. “Essa é uma discussão ainda muito presente, apesar de os
dados mostrarem que as mulheres são mais beneficiadas com programas de acesso e
que, desde a década de 1960, vêm crescentemente ocupando seu lugar na Educação”,
diz a professora.
Normalmente, cita Carvalho, há duas
explicações para o desempenho pior dos meninos: primeiro, esses índices
negativos são atribuídos aos garotos porque eles vão trabalhar mais cedo;
segundo, porque “os meninos são muito agitados mesmo”. “De cada 10 meninos de
10 a 14 anos, 5 estão defasados, mas só um trabalha. Então isso não explica
tudo. Depois, dizer que os meninos são indisciplinados por natureza nos
deixaria numa situação total de impotência”, afirma a professora, que defende
que as razões que podem ajudar a compreender essa situação são multifacetas e
socialmente construídas.
Para ela, existe uma pressão social para
que os meninos se comportem de uma maneira que pode influir negativamente no
aprendizado. Eles precisam ser livres, ocupar espaços e, nesse sentido, a
escola seria um espaço de restrição. Por outro lado, as meninas, que ficam mais
em casa – ou porque precisam ajudar as tarefas domésticas ou porque “lugar de
menina é em casa” –, veem a escola como um lugar de lazer, encontrar os amigos,
exprimir sua criatividade, competir com os meninos. “Não é de se estranhar que
as meninas se sintam menos presas na escola”, afirma a pesquisadora.
Para fazer com que essa lógica perversa
para os meninos se reverta, afirma Carvalho, é importante começar pela sala de
aula. “As professoras [de ensino infantil e fundamental 1] precisam também
refletir como elas se veem como mulheres, de forma a não reforçar estereótipos
que a sociedade repete”, diz ela. Assim, professores e escolas devem ser
capazes de passar o recado que meninos podem ser bons alunos e disciplinados e
que meninas podem ser questionadoras. “Temos que ser flexíveis sobre os padrões
que nos impõem. Muitas vezes, não é nem uma questão de incentivar atitudes em
meninos ou meninas, mas sim apenas não tolhê-las.”
*Fonte Porvir