A cada início de ano os meios de
comunicação publicam reportagens e análises que identificam os principais
problemas da rede pública estadual de São Paulo. Um dos pontos destacados é a
falta, nas salas de aula, de professores de muitas disciplinas, como Física,
Química, Biologia, mas também Sociologia, Filosofia e outras. Isto afeta
diretamente o direito dos estudantes a uma Educação de qualidade.
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Maria Izabel Azevedo Noronha é presidenta da Apeoesp, vice-presidenta da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e membro do Conselho Nacional de Educação |
Múltiplos fatores interferem na qualidade
do ensino, entre eles a profissionalização e as condições de trabalho dos
professores; as condições de ensino-aprendizagem dos estudantes, a gestão
escolar; a organização curricular, a formação inicial e continuada dos
profissionais da Educação; a infraestrutura e equipamentos das unidades
escolares etc. A qualidade da Educação pública também está relacionada a
fatores como as políticas sociais implementadas pelo poder público,
distribuição de renda, desigualdade social, ampliação das redes de ensino e
atendimento ao direito à Educação, entre outros.
É função primordial da escola formar
cidadãos, por meio não apenas da transmissão sistemática do saber
historicamente acumulado, patrimônio universal da humanidade, mas também da
produção coletiva de novos conhecimentos. Neste sentido, a escola precisa estar
articulada a um projeto educacional de conteúdo humanista, comprometido com a
escolarização de todos com qualidade.
Inegavelmente, o professor é o elemento
central do processo ensino-aprendizagem. Para além da estrutura e da
infraestrutura, sem dúvida elementos importantes, devemos reconhecer que o
ofício do professor é único e insubstituível, e como tal deve ser valorizado. É
necessário, sobretudo, recuperar a escola como processo de humanização, no
sentido do atendimento das necessidades do ser humano que nela trabalha e
estuda. Sem isto, a escola pública não alcançará o êxito esperado pela
sociedade.
O professor da rede estadual de ensino de
São Paulo vem sendo submetido a condições que não favorecem o seu trabalho. A
gestão escolar encontra-se extremamente centralizada, quer no que diz respeito
à formulação das políticas educacionais – na qual os profissionais da Educação
não ouvidos – seja na formulação e execução do projeto político-pedagógico de
cada unidade escolar.
Os artigos 13 e 14 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional asseguram aos professores “participar da elaboração
da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”, a “participação dos
profissionais da Educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”, bem
como a “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.” Nem sempre, porém, isto ocorre de fato. Os professores são
vistos apenas como executores das políticas definidas pelas autoridades e
gestores educacionais e os conselhos de escola, na maior parte das vezes,
cumprem um papel protocolar e homologatório.
A valorização dos professores se assenta
no tripé “salário, carreira/jornada e formação, inicial e continuada”. Hoje a
carreira do magistério paulista não corresponde às necessidades da escola
pública. Ela não atrai os melhores profissionais e muitos professores deixam as
escolas estaduais para se dedicarem a outras atividades, dentro ou fora de sua
área de formação. Os salários são muito baixos. É sintomático que esteja
decaindo, ano após ano, o número de estudantes matriculados e formados em
licenciaturas.
A formação inicial, nas faculdades
públicas e privadas, encontra-se divorciada da realidade das escolas, enquanto
que o sistema de ensino não oferece formação continuada no local de trabalho.
Muito menos cria condições para que isto, ao não aplicar a chamada “jornada do
piso”, dedicando no mínimo 33% da carga horária semanal do professor para
atividades realizadas fora da sala de aula.
Ao mesmo tempo, porém, aplica aos
professores sucessivas avaliações, inclusive para manter grande parte do
contingente (hoje quase 50 mil profissionais) em situação de contratação
temporária, sem direitos básicos. O Estado pretende selecionar professores,
quando há falta destes profissionais. Um contra senso que leva o governo a
convocar todos os professores disponíveis, mesmo aqueles que não realizaram a
prova ou não obtiveram a nota exigida.
Este quadro, aliado à escalada de casos
de violência dentro e no entorno das escolas, vem provocando o adoecimento dos
professores, perceptível no cotidiano das escolas e confirmado por pesquisas
realizadas pela Apeoesp, em parceria com a Unifesp e Grupo Géia; pela CNTE, em
convênio com Universidade de Brasília; pela Fundacentro e outras instituições
públicas e privadas.
Os números demonstram que a carreira
docente já não atrai os jovens estudantes na proporção das necessidades do
nosso país. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), em 2007 havia 2.500.554 profissionais
atuando em sala de aula, mas em 2009 este número baixou para 1.977.978
professores.
O Censo do Ensino Superior, também
realizado pelo Inep/MEC, registra que de 2005 a 2009 o número de estudantes
universitários formados em cursos de formação de docentes para a Educação
Básica caiu de 103 mil para 52 mil. O mesmo se repete no caso dos cursos de
licenciatura, tendo havido queda no interesse pela carreira: naquele período o
número de formados em licenciaturas caiu de 77 mil para 64 mil.
O Brasil precisa urgentemente rever esta
situação. A rede estadual de ensino de São Paulo, a maior do país, deve dar o
exemplo.