Pesquisa internacional com alunos de 15 anos comprova diferença de aptidão por gênero, mas especialistas veem razões culturais
Fonte: O Globo
De um lado, meninas com melhor desempenho em leitura. Do outro,
meninos com performance superior em matemática. O quadro, que muita gente já
observou, é comprovado em números numa recente publicação da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com base em dados do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2012. Jovens de 15 anos que vivem
65 países participam da análise, e uma das conclusões é que o hiato se deve
menos à capacidade e mais às diferenças de autoconfiança de meninos e meninas
na hora de aprender.
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Nervosa com matemática. Desde cedo Giovana Ribeiro prefere história e gramática e quer fazer Direito ou Medicina (foto Leo Martins/Agênncia O Globo) |
Os dados da publicação "Meninos e meninas estão igualmente preparados
para a vida?" mostram que garotas superam garotos em leitura numa
proporção que equivale a um ano inteiro de Escola, em média. Já os adolescentes
do sexo masculino, por sua vez, estão à frente em matemática cerca de três
meses. E 15% dos meninos, mas apenas 11% das meninas, atingem os níveis mais
altos na disciplina. No Brasil, meninos estão 18 pontos à frente em matemática.
A publicação afirma que "a confiança de estudantes em suas
habilidades e motivações em aprender tem um papel central em moldar sua
performance em assuntos acadêmicos específicos", acrescentando que a
percepção das meninas a respeito do seu próprio aprendizado em números
determina quão bem elas motivam a si próprias.
A avaliação é confirmada por especialistas em Educação, que sustentam:
questões culturais são determinantes no aprendizado.
- Não há nada que comprove cientificamente que os homens têm mais
capacidade nas ciências exatas, mas, historicamente, é o que vemos. Na minha
geração, a mulher era formada para ser Professora - opina Bertha do Valle,
Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj).
Para Norma Lúcia de Queiroz, da Faculdade de Educação da Universidade
de Brasília (UnB), a diferença no aprendizado começa na Alfabetização:
- O dado a respeito da leitura é coerente e pode ser observado no
início da Escolarização. Num projeto do Observatório da Educação da UnB, de 20
Alunos com dificuldade em alfabetização, 18 são meninos.
Capazes e sem
autoconfiança
A publicação da OCDE indica ainda que muitas meninas escolhem não
seguir carreiras de ciência, tecnologia, engenharia e matemática por não
confiarem em suas habilidades na área, "apesar de terem capacidade e
ferramentas para fazer isso". Apenas 38% das meninas, mas 53% dos meninos,
planejam seguir carreira que envolva matemática. Por outro lado, meninas são
representadas em excesso entre estudantes que imaginam trabalhar na área de
saúde e ciências sociais.
É o caso de Giovanna Ribeiro, de 15 anos, aluna do 1º ano do colégio
carioca Mopi. Desde pequena, a menina prefere as lições de história e
gramática. Para a vida adulta, planeja uma carreira em Direito ou Medicina.
- Eu sempre odiei matemática. Não entra na minha cabeça, fico nervosa
na hora de fazer a prova - conta.
Já Luiz Henrique Alves, do 2º ano do também carioca Pensi, é o
clássico caso do menino que tem notas melhores nas matérias que envolvem
cálculos e sonha com uma faculdade de Engenharia.
- Em matemática costumo tirar 9. Já nas outras matérias, em geral, fico
entre 7,5 e 8 - explica o menino, que frequenta aulas preparatórias para
concursos militares, cuja relação é de 20 rapazes para cada 10 garotas em sala.
Para Márcia Malavasi, da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), muitas vezes as escolhas profissionais estão
ligadas à crença de que as meninas são inclinadas "a desenvolver relações
interpessoais":
- Meninas são muito mais orientadas para carreiras de ciências
humanas. Isso tem a ver com o fato de a sociedade acreditar que elas são mais
capazes de fazer doações psicológicas, o que é uma visão equivocada que vem da
história de servidão das mulheres aos homens.
A Professora acrescenta que há menos mulheres ocupando cargos que
exigem o domínio de exatas. E, mesmo quando elas ocupam essas posições, ganham
salários mais baixos.
- Isso ocorre até em países desenvolvidos. É um percurso social que a
humanidade ainda terá de fazer - afirma.
Esforço coletivo
para mudar
Na publicação, a OCDE destaca que a diferença entre os sexos no
desempenho em matemática se manteve estável na maioria dos países desde 2003,
assim como a diferença de gênero na autoconfiança. Segundo a organização, a
redução do hiato de gênero no desempenho vai exigir, a longo prazo, o esforço
de pais, Professores e sociedade para mudar noções estereotipadas.
A curto prazo, pondera a OCDE, pode ser necessário tornar a matemática
mais interessante para meninas, identificando e eliminando os estereótipos de
gênero nos livros didáticos.
Norma Lúcia, da UnB, concorda e diz que o mesmo pode ser feito em
relação ao interesse de meninos pela leitura:
- Nós, Professores, precisamos investigar se as atividades que
proporcionamos na Escola têm a ver com isso. Será, por exemplo, que as meninas
não se identificam mais com o tipo de história que costumamos ler em sala de
aula? Talvez sejam necessárias práticas pedagógicas diferentes para meninos e
meninas.