Até o ano 2030, o Brasil terá mais velhos para
cuidar e menos jovens para educar. É o que informa o ex-ministro da Saúde José
Gomes Temporão, diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em
Saúde (Isags) e consultor da Fundação Getulio Vargas (FGV), ao prever a
estagnação da saúde e a iniquidade do Sistema Único de Saúde (SUS) como
consequências da concentração total dos recursos dos royalties do petróleo da
camada do pré-sal na Educação.
Temporão defende o retorno da proposta original
ainda do governo Lula, que incluía não só saúde, mas, sobretudo, ciência e
tecnologia, outra área estratégica para a independência do país nas pesquisas e
na criação de laboratórios farmacêuticos.
O senhor concorda com a destinação dos recursos do
pré-sal para a Educação?
É importantíssima a decisão de vincular os
royalties a setores específicos. Afinal, a experiência de muitos anos de
aplicação dos royalties sem uma orientação estratégica demonstra que temos que
definir prioridades. Mas o mais correto seria analisar quais são as orientações
estratégicas mais adequadas. Defendo a ampliação do debate.
A Educação não merece ser a área prioritária?
É indiscutível o desafio educacional que enfrenta
o Brasil. Sem enfrentá-lo, não iremos muito longe. Mas a Educação não é o único
desafio. No mínimo, temos outros dois. As políticas de saúde e de ciência,
tecnologia e inovação são igualmente importantes e também carentes de recursos
estáveis.
Mas baseado em que o senhor defende essa
ampliação?
Estamos falando de projeções do país para o
futuro. É necessário levar em conta grandes transformações pelas quais o país
passará nas próximas décadas. Que modelo de desenvolvimento queremos? Uma visão
integrada de desenvolvimento articulando essas três áreas estratégicas pode
fazer diferença.
Que outras justificativas o senhor apontaria?
Talvez a mais notável delas seja o aprofundamento
da transição demográfica. O aumento da expectativa de vida, a queda da taxa
geral de mortalidade, da mortalidade infantil, e a robusta redução da taxa de
fertilidade vêm criando um vetor de rápido envelhecimento na população.
Qual a consequência disso?
Segundo a publicação da Fiocruz A saúde no
Brasil em 2030, naquele ano teremos mais pessoas acima de 60 anos (40 milhões)
do que jovens até 14 anos (36 milhões)!
E o que acontecerá?
Nas próximas décadas, iremos nos transformar em um
país maduro, com uma população estabilizada.
Significa muito mais idosos para cuidar e menos
jovens para educar?
Sim, as implicações desse processo sobre o sistema
educacional são evidentes. Nascerão menos crianças, a pressão para a criação de
novas vagas vai diminuir. O grande esforço será a melhoria da qualidade do
ensino e universalização das creches e pré-escolas.
Mas por que esse processo impactaria de modo
diferente a saúde?
O rápido envelhecimento da população brasileira, a
predominância das doenças crônicas (doenças cerebrovasculares e cardiovasculares,
câncer, hipertensão, diabetes etc.), a necessidade de cuidados continuados
multiprofissionais, o uso de medicamentos caros por longos períodos
pressionarão fortemente o sistema de saúde do país, ameaçando sua
sustentabilidade econômica e tecnológica.
Com mais idosos e menos jovens, os gastos com
saúde aumentarão?
Exponencialmente! Além disso, o processo de
envelhecimento é acompanhado pelo aumento de casos das demências senis,
Alzheimer e distúrbios neuropsíquicos, cujo tratamento é complexo e muito
dispendioso.
Não se trata de alarmismo?
Digo mais: a insuficiência de recursos
constrangerá um dos princípios do SUS, que é a integralidade, e ampliará a
iniquidade do sistema. O atual subfinanciamento será ainda mais agravado, e é
evidente que, em uma perspectiva de médio e longo prazos, a saúde é a área que
mais perde ao ser excluída dos benefícios dessa nova fonte de recursos.
E ciência e tecnologia? Por que a área não está
sendo priorizada?
Hoje o país gasta cerca de 1,2% do Produto Interno
Bruto com ciência, tecnologia e inovação. Entretanto, temos vários desafios. Um
deles é o de duplicar o gasto nesse setor se pretendemos alcançar um novo
patamar de presença no mundo. Mas, para chegar a esse novo padrão, serão
necessários mais investimentos públicos. Mais investimentos, e investimentos
mais estáveis.
Mas o Brasil não vem ampliando seus gastos em
ciência, tecnologia e inovação?
Verdade! Mas a ferramenta que proporcionou esse
avanço, o Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT),
está ameaçada de não poder continuar a cumprir o seu papel.
Por quê?
Desde 2000, sua principal fonte de receitas vem
dos recursos dos fundos setoriais, em particular o fundo setorial do petróleo,
que responde por cerca de 40% do montante transferido ao FNDCT.
“A insuficiência de recursos constrangerá um dos
princípios do SUS, que é a integralidade, e ampliará a iniquidade do sistema. A
saúde é que mais perde”
Fonte O Globo