Reportagem de Vanessa Fuhrmans para o The Wall Street
Journal (14/6/2012) mostra que o apagão de profissionais capacitados também
preocupa empresas alemãs instaladas nos Estados Unidos.
Fábricas de empresas alemãs nos Estados Unidos, como
o imenso complexo da Volkswagen AG nesta cidade, não estão só produzindo
carros, máquinas e produtos químicos. Estão, cada vez mais, levando ao país um
sistema de capacitação alemão que poderia ajudar a diminuir a escassez de mão
de obra qualificada nos EUA.
A Volkswagen, cuja fábrica em Chattanooga vai
formar no ano que vem a primeira turma capacitada de aprendizes americanos, é
uma das dezenas de empresas que estão adotando programas de aprendizagem e
ensino técnico aos moldes alemães.
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Sessão de treinamento no trabalho em fábrica da
Siemens
nos EUA (Foto Andy McMillan para o The Wall Street Journal)
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Esses programas de capacitação têm conquistado
adeptos nos EUA em meio ao paradoxo enfrentado pela indústria no país: embora o
desemprego continue acima de 8%, a indústria não consegue achar maquinistas,
especialistas em robótica e outros trabalhadores qualificados em número
suficiente para preencher suas vagas. Calcula-se que haja 600.000 vagas não
preenchidas para trabalhadores qualificados com salários de classe média — e
isso num momento em que milhões de americanos buscam emprego.
"Descobrimos que é melhor formarmos nós
mesmos a mão de obra do que depender só do mercado", disse Hans-Herbert
Jagla, diretor de recursos humanos da fábrica da Volkswagen em Chattanooga,
aberta há um ano. A montadora alemã lançou um programa de treinamento de três
anos para garantir que terá trabalhadores capacitados para manter e reparar
sistemas robotizados de alta tecnologia nas suas linhas de montagem.
Tanto empresas como autoridades estaduais e
federais americanas começam a mostrar interesse por programas da Volks, da
Siemens AG e da BMW AG — empresas que se aliaram a instituições de ensino
superior profissionalizante do país conhecidas como "community
colleges" — para formar trabalhadores em áreas como soldagem, usinagem e
manutenção de equipamentos de alta tecnologia.
Em Charleston, na Carolina do Sul, onde a alemã
Robert Bosch GmbH, de engenharia e autopeças, mantém um programa de
aprendizagem desde a década de 1970, a fabricante de produtos de alumínio JW
Aluminum, a fabricante de equipamento aeroespacial e industrial Eaton Corp., a
empresa de engenharia ITT Corp. e outra dezena de empresas americanas criaram
programas de aprendizagem nos últimos anos com a Trident Technical College, a
parceira da Bosch.
"Não há uma empresa com a qual eu tenha falado
que não mostrasse interesse no conceito", disse Mitchell Harp, diretor de
programas de aprendizagem da Trident. Segundo ele, o programa da Bosch hoje
virou o "padrão ouro" na área. "No fundo, a questão se resume a
como inserir isso no orçamento."
Em março, representantes do estado da Virgínia do
Norte foram à Alemanha visitar a Siemens e outras empresas para entender como
criar programas similares de capacitação de trabalhadores com empresas e
escolas locais. Funcionários da Casa Branca e do Departamento de Educação
americano também buscaram informações sobre um programa técnico de nível
secundário que a fabricante alemã de motores Tognum AG pretende lançar no
próximo trimestre na Carolina do Sul, onde tem uma fábrica.
"Nos EUA, evoluímos para um ponto no qual
achamos que a única meta da pessoa deve ser [um curso] universitário de quatro
anos. O trabalho em fábricas é visto como sujo, perigoso e repetitivo",
disse Tom Duesterberg, diretor executivo do programa Indústria e Sociedade no
Século XXI, do Instituto Aspen. "Na Alemanha, o trabalho feito no chão da
fábrica e ensinado pelo seu sistema de formação profissionalizante é altamente
valorizado."
Quase dois terços dos trabalhadores da Alemanha
são treinados por meio de parcerias entre empresas, escolas técnicas e
entidades de classe. No ano passado, empresas alemãs receberam e formaram cerca
de 600.000 aprendizes remunerados. O papel da escola é ensinar a parte teórica,
enquanto os sindicatos ajudam a garantir que o treinamento seja padronizado.
Nos EUA, geralmente não existe cooperação tão
estreita. Outro obstáculo é o receio das empresas de gastar com treinamento e
depois perder o aprendiz para a concorrência. Em um novo programa de três anos
de capacitação em mecatrônica na fábrica de Charlotte, na Carolina do Norte, a
Siemens gasta cerca de US$ 165.000 por aprendiz.
No Central Piedmont Community College, perto das
instalações de cerca de 200 empresas alemãs, 18 companhias participam de
parcerias de treinamento sob medida para empresas. A maioria é europeia, mas um
punhado de americanas, como a fabricante de rolamentos Timken Co., já aderiu ao
modelo.
A distribuidora de equipamentos pesados Carolina
CAT, também de Charlotte,
lançou no ano
passado um programa de capacitação de técnicos de manutenção inspirado em programas de
companhias alemãs. A Carolina CAT paga por um curso sob medida de 12 meses na
faculdade, seguido por oito semanas de treinamento prático na empresa. No fim
do ano, quando a primeira turma se formar, tudo indica que os alunos serão
contratados em tempo integral pela Carolina CAT.
"Empresas americanas estão começando a
perceber que elas têm um papel na criação de uma oferta mais confiável de
trabalhadores qualificados", disse Tony Zeiss, presidente da Piedmont
Central.
Um programa de treinamento não é necessariamente
caro, disse Jörg Klisch, vice-presidente de operações da Tognum na América do
Norte. O alvo da fabricante alemã de motores é o estudante de ensino médio que
provavelmente não fará curso superior. A empresa fornece à escola local um
programa de dois anos para a formação, no próximo trimestre, de seis alunos em
mecânica industrial.
Para a Tognum, o único custo será a remuneração
dos alunos pelas horas de atividade prática na empresa, a partir de US$ 8 por
hora. "Creio que achamos o elo perdido no sistema de ensino entre o curso
secundário e o início da faculdade", disse Klisch.
Empresas como a Volkswagen advertem que, se não se
encarregarem elas mesmas da formação de trabalhadores qualificados, elas podem
ter dificuldade para crescer no país. Que o diga a montadora: este ano, ao
aumentar a produção do Passat nos EUA para dar conta da crescente demanda pelo
modelo, a Volks teve de lançar uma campanha publicitária nacional para
preencher cem das vagas mais especializadas na fábrica, incluindo técnicos de
manutenção e engenheiros de produção.