Por Luiz Gonzaga Belluzzo
A Educação é cláusula pétrea do credo
iluminista-republicano. Não há de existir cidadania sem Educação universal e
pública. Sem ela estariam seriamente arriscadas a liberdade e a igualdade. O
ideal da Educação para todos nasceu comprometido com o projeto de autonomia do
indivíduo, o que supõe capacidade de compreensão do cidadão, enquanto titular
de direitos e fonte do poder republicano.
Os fortes clamores que circulam pelo Brasil e pelo
planeta em prol da Educação quase sempre estão inspirados numa versão bastarda
dos valores originais do humanismo iluminista. Eles sublinham as exigências
impostas pelas engrenagens da economia. A chamada Teoria do Capital Humano, por
exemplo, cuida de atribuir os diferenciais de crescimento entre países e o
agravamento das desigualdades à maior ou menor eficácia dos sistemas
educacionais. A experiência dos países asiáticos (Japão, Coreia, Taiwan, China)
é invocada como a comprovação da importância da Educação para o crescimento
acelerado da produtividade da mão de obra, aquisição de vantagens comparativas
dinâmicas e melhor distribuição de renda.
“Trate de conseguir boa Educação ou será um dos
derrotados pela marcha do progresso.” Este é o desafio que os senhores do mundo
lançam aos que lutam por bons empregos. Seria estúpido negar o papel da Educação
enquanto instrumento da qualificação técnica da mão de obra. Mas os últimos
estudos internacionais sobre emprego, produtividade e distribuição de renda
mostram o óbvio: a boa Educação é incapaz de responder aos problemas criados
pelos choques negativos que vulneram as economias contemporâneas.
Exemplos: desindustrialização, reestruturação das
empresas imposta pela intensificação da competição, crise fiscal e perda de
eficiência do gasto público. Em suma, se esses fatores reais do crescimento
falham, a Educação naufraga como força propulsora do emprego e da distribuição
de renda. A Europa e os Estados Unidos estão aí para demonstrar que pouco vale
ter gente mais “empregável” se a economia patina e não cria novos empregos.
A visão simplória e simplista da educação
obscurece a tragédia cultural que ronda o Terceiro Milênio. A especialização e
a “tecnificação” crescentes despejam no mercado, aqui e no mundo, um exército
de subjetividades mutiladas, qualificadas sim, mas incapazes de compreender o
mundo em que vivem. Os argumentos da razão técnica dissimulam a pauperização
das mentalidades e o massacre da capacidade crítica.
Na sociedade contemporânea esses trabalhos são executados
pelos aparatos de comunicação de massa apetrechados para produzir o que Herbert
Marcuse chamou de “automatização psíquica” dos indivíduos. Os processos
conscientes são substituídos por reações imediatas, simplificadoras e
simplistas, quase sempre fulminantes e esféricas em sua grosseria. Nesses soluços
de presunção opinativa, a consciência inteligente, o pensamento e os próprios
sentimentos desempenham um papel modesto.
Os indivíduos mutilados executam os processos
descritos por Franz Neumann, em Behemoth, o livro clássico sobre o nazismo:
“Aquilo contra o que os indivíduos nada podem – e que os nega – é justamente
aquilo em que se convertem.” O mundo da vida aparece sob a forma farsista de um
conflito entre o bem e o mal, objetivado em estruturas que enclausuram e
deformam as subjetividades. A indignação individualista e os arroubos
moralistas são expressões da impotência que, não raro, se metamorfoseia em
violência. Convencidas da universalidade do seu particularismo, as “boas
consciências” distribuem bordoadas nos que estão no mundo exatamente como eles,
só que do lado contrário.
O domínio do espaço público pelos aparatos de
comunicação procede à sistemática lobotomia das capacidades subjetivas que
ensejam a crítica e resistem à manipulação. Trata-se de um procedimento de
neutralização das funções de contestação massacradas pela publicidade
travestida de informação.
Essa engrenagem entrega-se aos labores de remover
quaisquer resíduos de razão crítica que os indivíduos livres porventura
consigam preservar. Na sociedade de massa é preciso não sentir o que se
“pensa”, nem “pensar” o que se sente. A educação dos iluministas, da República
e da Democracia nasceu com o propósito de rejeitar essas forças que, nas
palavras de Marshall Berman, “transformam a ação humana em repetições rançosas
de papéis pré-fabricados, reduzindo os homens a indivíduos médios, reproduções
de tipos ideais que incorporam todos os traços e qualidades de que se nutrem
as comunidades ilusórias”.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor,
consultor editorial de CartaCapital.